10 de fevereiro de 2015

Nunca estamos à altura da montanha, por Teresa Vaz Guedes

As montanhas convidam a elevar-nos não só materialmente, mas espiritualmente em direcção à realidade que não tem ocaso. Aqui, neste espaço sem barreiras e no silêncio imponente dos montes, apercebemo-nos do sentido do infinito!
Papa João Paulo II, Glaciar de Adamello, Alpes, Homilia da Missa, 16 Julho 1988

Desafiaram-me para a seguinte aventura: acompanhar um grupo de alunos do 11º Ano a Vallnord, Andorra. Aceitei, antes de mais, porque me pediram. Fazia falta uma “avó” ao grupo. Não era sequer preciso fazer ski e essa foi a segunda razão porque aceitei. Não fazia ski há 32 anos, tinha tido uma experiência que não me fizera repeti-la e, não sendo ainda avó, achei que podia criar uma pista de treinos para esse efeito. E deslizar numa neve virgem… sem ter que pôr luvas e tirar luvas, pôr óculos e tirar óculos, pôr skis e tirar skis… Tudo isso, trancada num calçado “desortopédico” já mil vezes pisado e repisado a uma altitude de não sei quantos pés…. Enfim, tinha tudo sob controlo, como gosto de sentir que tenho…

A montanha já devia estar a rir-se de mim… Chegámos debaixo de um nevão que parecia não ter fim e que cobria tudo de um silêncio ensurdecedor. Foi o primeiro presente que recebi desta montanha, que assim começava o seu diálogo comigo.

O segundo presente foram os alunos que mo deram, porque a montanha lhes pedia: a alegria e a coragem com que se fizeram às pistas a eles destinadas. Muitos deles nunca tinham experimentado fazer ski. Eram uma alegria e um entusiasmo contagiantes! E eu também queria isso para mim. E lá fui calçar as ditas botas “desortopédicas”; e pôr óculos e tirar óculos; e pôr luvas e tirar luvas; e pôr skis e tirar skis…

Quanto mais alto subia, mais pequena me sentia, desarmada pela montanha branca! O que mais vezes pensava, ao olhar para aquele branco imenso, é que nunca estamos à altura daquela imponência. E que, por detrás daquela imensidão de branco, há uma outra imensidão de verde, mesmo que nem sempre se consiga ver. Comparava o branco ao sofrimento, confirmando a sua beleza. Finalmente, lembrava-me da primavera a despontar… e chegava à certeza de como o branco pode estar ao serviço do verde!

Depois, claro, havia também as cores das pistas… Verde, azul, encarnada e preta. Tínhamos que escolher. Como nos caminhos da vida, a nossa liberdade posta em jogo a cada escolha que fazíamos. Tem graça olhar para essas cores e constatar como estão tão bem escolhidas, segundo o seu grau de risco.

À noite, saía do silêncio atento para ouvir os relatos das aventuras do dia. Ouvia-os da boca de aprendizes e de mestres. Viver a montanha com estes “netos”, a crescer sob o olhar destes mestres presentes e capazes de me ensinar a olhar a mim também, foi uma lição tão valiosa quanto muitas que tive em sala de aula. Vale a pena arriscar uma semana a aprender, fora de muros; vale a pena sair da nossa zona de conforto; vale a pena levantar o olhar. Vale a pena seguir alguém que vai mais à frente, como seguimos na companhia do Papa João Paulo II que, no silêncio imponente dos montes, nos predispôs o coração para nos apercebermos do sentido do infinito!

No último dia o sol quis juntar-se a nós! Com temperaturas abaixo de zero… e ainda assim era impossível não sentir o coração a arder!

Bendita a hora em que me pediram para ser “avó”. E bendita a hora em que aceitei sê-lo.

Teresa Vaz Guedes

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