18 de fevereiro de 2015

Falta uma coisa, por Madalena Fontoura

Estuda-se com paixão. Conhece-se os alunos um por um. Prepara-se aulas sempre novas, ricas e motivadoras. Avalia-se com justiça. Dá-se tempo aos que mais precisam. Trabalha-se com outros professores. Colabora-se nos acontecimentos da escola. Desafia-se os alunos para projetos. Acompanha-se visitas de estudo e passeios. Fala-se com as famílias. Reinventa-se a intervenção disciplinar. Passa-se pelos recreios. Almoça-se com os alunos. Disponibiliza-se o telemóvel. Responde-se aos mails. E ainda se está alegre e com boa disposição.

É tudo? Falta alguma coisa?
A mim falta. Anos e anos na educação e cada vez mais percebo que em muito do que é essencial na vida dos miúdos eles estão sozinhos. Sem um critério. Sem uma companhia que os ajude a ser eles mesmos. Sem saber para onde se virar. E cheios de tédio e desencanto com as mil coisas que veem, ouvem, tocam ou imaginam.

Quase todas as pessoas em quem reconheço uma genialidade educativa têm uma coisa em comum: propostas ao tempo livre dos mais novos. Primeiro decidi que não era para mim, que não tenho tempo, nem idade, nem jeito. Depois passei para a lamúria inativa: achava que devia fazer, não fazia e lamentava-me de não ter feito.

Uma conversa com um desses amigos geniais, nas férias do Natal, foi a gota de água: faltam propostas nas férias dos miúdos. Pensei comigo: não passa do próximo Carnaval.

Desta vez, como das outras, não tive tempo para preparar, para escolher o programa ideal, para combinar com outros professores. E estava quase a deixar-me devorar pelo passar dos dias, quando uma aluna minha, no meio de um conversa, me disse que não lhe acontece nada de novo, nem na escola nem no fim-de-semana. 

“Tens razão. Mas sabes que tenho imensas ideias e precisava de quem me ajudasse a concretizá-las?” Brilharam-lhe os olhos. “Mas o quê, por exemplo?” Arrisquei: “Tive a ideia de propor um fim-de-semana juntos aos da tua turma. Sexta, sábado e domingo de Carnaval.” “É giro. E para fazer o quê?” – pergunta fatídica. “Ainda não pensei bem: ir para um sítio que dê para ver coisas bonitas e passar um tempo juntos”. Tocou, ela lá foi. Voltou no intervalo seguinte a dizer que ela e outra vinham de certeza, mas ia arranjar mais gente.

Começou assim, depois houve mil vicissitudes, entre avanços e desistências típicas da idade. E eu com o resto da vida a correr a mil, aparentemente sem lugar para preparar programas de férias com alunos. Mas na sexta-feira ao fim do dia, entraram quatro no meu carro e lá fomos.

O programa foi muito livre: uns passeios, umas visitas, um filme, refeições preparadas em conjunto. Uma oração curta para começar o dia e Missa de domingo. Vários professores e amigos vieram e estiveram. Diante daquele grupo de quatro, já não brilhava a minha originalidade pessoal, mas uma companhia de adultos que educam a partir de uma amizade.

Vem-me à memória Jesus o jovem rico: «Falta-te apenas uma coisa» (Mc. 10, 21)

Começo esta semana, grata por estes dias. E certa de que não há tempo a perder quando, por muito que se dê, falta ainda uma coisa. Na educação como na vida.

Madalena Fontoura

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